Cumprimento da Penalidade x Exigência do Curso de Reciclagem
Com a intensificação da fiscalização do trânsito realizada pelos Órgãos componentes do Sistema Nacional de Trânsito, deflagrou-se o aumento da quantidade de autos de infração de trânsito lavrados em face dos motoristas infratores.
Como consequência da lavratura de autos de infração de trânsito, o infrator e/ou o proprietário do veículo, além de ter que arcar com multa pecuniária, tem também lançado em seu prontuário de condutor a pontuação referente a infração cometida.
O acúmulo de pontos em infrações de trânsito, ou o cometimento de uma infração que tenha como consequência direta prevista em lei, pode levar a deflagração do processo de aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir, conforme previsto no art. 261 do Código de Trânsito Brasileiro a seguir exposto:
Art. 261. A penalidade de suspensão do direito de dirigir será imposta nos seguintes casos:
(Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016)(Vigência)
I – sempre que o infrator atingir a contagem de 20 (vinte) pontos, no período de 12 (doze) meses, conforme a pontuação prevista no art. 259;
(Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
II – por transgressão às normas estabelecidas neste Código, cujas infrações preveem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir.
(Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
§ 1º Os prazos para aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir são os seguintes:
(Redação dada pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
I – no caso do inciso I do caput: de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e, no caso de reincidência no período de 12 (doze) meses, de 8 (oito) meses a 2 (dois) anos; (Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
II – no caso do inciso II do caput: de 2 (dois) a 8 (oito) meses, exceto para as infrações com prazo descrito no dispositivo infracional, e, no caso de reincidência no período de 12 (doze) meses, de 8 (oito) a 18 (dezoito) meses, respeitado o disposto no inciso II do art. 263.
(Incluído pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência)
§ 2º Quando ocorrer a suspensão do direito de dirigir, a Carteira Nacional de Habilitação será devolvida a seu titular imediatamente após cumprida a penalidade e o curso de reciclagem.
§ 3o A imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir elimina os 20 (vinte) pontos computados para fins de contagem subsequente.
(Incluído pela Lei nº 12.547, de 2011)
Nota-se que, no dispositivo transcrito acima, estão previstas as hipóteses em que se dará a aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir, e, também, o prazo para sua aplicação.
No §2º do art. 261 supracitado, o legislador traz a previsão de que, aplicada a penalidade de suspensão do direito de dirigir, a CNH será devolvida a seu titular imediatamente após cumprida a pena e o curso de reciclagem.
Tomando-se por base uma interpretação gramatical da norma acima colacionada, é possível afirmar que para cumprimento da penalidade de suspensão do direito de dirigir, o condutor infrator deve entregar sua CNH no órgão de trânsito responsável pela aplicação da pena, no caso o DETRAN, e ao final do prazo da suspensão, somente após cumprido o curso de reciclagem, poderá reaver seu documento de habilitação.
Acontece que o §11º do art. 261 do CTB delegou ao CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito, a competência para regulamentar as disposições do art. 261. É aí que as dúvidas surgem. Veremos que a regulamentação editada pelo CONTRAN diverge do disposto no CTB e traz várias novas disposições acerca da aplicação e cumprimento da penalidade de suspensão do direito de dirigir.
O CONTRAN regulamentou o art. 261 do CTB por meio da edição da Resolução nº 723 de 06 de fevereiro de 2018.
Ao contrário do previsto no §2º do art. 261 do CTB, a Resolução CONTRAN nº 723/2018 em seu art. 15, VI, art. 16, II e §4º do art. 16, quando regulamenta a aplicação da penalidade, traz dispositivos que permitem o início do cumprimento da penalidade de suspensão do direito de dirigir, mesmo que o condutor infrator não entregue sua CNH no DETRAN, vejamos:
Art. 15. Aplicada a penalidade, a autoridade de trânsito do órgão de registro do documento de habilitação deverá notificar o condutor informando-lhe:
VI – a data em que iniciará o cumprimento da penalidade fixada, caso não seja entregue o documento de habilitação físico e não seja interposto recurso à JARI, nos termos do artigo 16 desta Resolução.
Art. 16. A data de início do cumprimento da penalidade será fixada e anotada no RENACH:
II – no dia subsequente ao término do prazo para entrega do documento de habilitação físico, caso a penalidade seja mantida em 2ª instância recursal;
§ 4º Caso o condutor já tenha cumprido o prazo de suspensão do direito de dirigir e seja flagrado na condução de veículo automotor sem ter realizado o curso de reciclagem, e estiver portando o documento de habilitação físico, esta deverá ser recolhida e caso não esteja portando ou se trate de documento eletrônico, caberá a autuação do art. 232 do CTB, observado o disposto no § 4º do art. 270 do CTB. (grifos nossos)
Verifica-se, pela leitura dos dispositivos acima, que o CONTRAN admite o início do cumprimento da penalidade, mesmo que o apenado não entregue a CNH no DETRAN.
Como mencionado no início deste artigo, essa regra disposta pelo CONTRAN conflita com o teor do §2º do art. 261 do CTB, uma vez que o legislador ordinário previu a devolução da CNH após cumprida a penalidade, ou seja, para que se devolva o documento é necessário que antes ele seja entregue.
Mesmo diante da divergência entre a lei ordinária e a Resolução do CONTRAN, onde deveria prevalecer a disposição contida em lei por ser essa hierarquicamente superior àquela, os DETRAN’s de todo o país vêm adotando a previsão contida na Resolução, e o início da penalidade se dá mesmo que a CNH não seja entregue no órgão executivo de trânsito.
Evidente que essa é uma questão puramente teórica e pouco discutida entre os condutores, e também quase nunca levada à apreciação do Poder Judiciário, uma vez que a norma do CONTRAN é mais benéfica ao infrator que pode cumprir o prazo de penalidade, mesmo sem entregar seu documento no DETRAN, alguns até assumindo o risco de continuar conduzindo veículos, mesmo em cumprimento a penalidade.
No entanto, uma discussão que pode ser relevante e que, até o momento, é pouco debatida, é a extensão dos efeitos da penalidade de suspensão do direito de dirigir.
A penalidade de suspensão do direito de dirigir termina com o cumprimento do prazo da suspensão, ou somente após o infrator cumprir o prazo e comprovar a realização e aprovação no curso de reciclagem?
Muitos infratores cumprem o prazo da penalidade de suspensão do direito de dirigir, mas não fazem o curso de reciclagem, pois o referido curso tem um custo financeiro relativamente alto e requer a aprovação em uma avaliação teórica.
Por não realizarem o curso de reciclagem após o cumprimento do prazo de suspensão, a restrição em seus documentos de habilitação permanece.
Diante da restrição mantida em suas habilitações, alguns condutores são abordados em fiscalizações de trânsito e autuados pela infração de trânsito prevista no art. 162, II do CTB, “conduzir veículo com direito de dirigir suspenso”, que tem como consequência multa pecuniária e aplicação da penalidade de cassação da CNH.
Diante de consequências tão graves, a pergunta acima passa a ter grande relevância.
Para responder ao questionamento, importante trazer a baila o art. 256 do CTB, que elenca as penalidades aplicáveis em desrespeito às normas de trânsito, vejamos:
Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades:
I – advertência por escrito;
II – multa;
III – suspensão do direito de dirigir;
IV –
apreensão do veículo; (Revogado
pela Lei nº 13.281, de 2016)
(Vigência)
V – cassação da Carteira Nacional de Habilitação;
VI – cassação da Permissão para Dirigir;
VII – freqüência obrigatória em curso de reciclagem.
Percebe-se que a frequência obrigatória em curso de reciclagem é tratada com uma penalidade autônoma pelo legislador ordinário.
Embora o curso de reciclagem seja uma penalidade autônoma, não há no CTB ou nas Resoluções do CONTRAN qualquer previsão de aplicação de maneira isolada desta sanção. O curso de reciclagem, na prática, é aplicado de forma acessória, pois sempre é exigido quando da aplicação de outra penalidade.
Comprovando a afirmação realizada no parágrafo anterior, temos o art. 268, II do CTB, que prevê a aplicação acessória da penalidade do curso de reciclagem, pois sua submissão é imposta sempre que aplicada a suspensão do direito de dirigir, vejamos:
Art. 268. O infrator será submetido a curso de reciclagem, na forma estabelecida pelo CONTRAN:
II – quando suspenso do direito de dirigir;
Portanto, a natureza do curso de reciclagem é a causa do questionamento objeto deste artigo: se considerarmos sua natureza autônoma, a penalidade de suspensão do direito de dirigir termina simplesmente após o cumprimento do prazo, mas se considerarmos como de natureza acessória, a suspensão do direito de dirigir somente se esgotará após o cumprimento do prazo e a realização e aprovação do curso de reciclagem.
Diante da análise às normas legais aplicáveis ao presente caso, o Código de Trânsito Brasileiro e a Resolução CONTRAN nº 723/2018, parece-nos que a resposta ao questionamento é: a natureza jurídica do curso de reciclagem é de penalidade autônoma, de modo que os efeitos da penalidade de suspensão do direito de dirigir cessam quando simplesmente cumpre-se o prazo da penalidade.
Mesmo que o infrator não tenha realizado o curso de reciclagem durante o período em que cumpriu o prazo da suspensão, ao término deste não poderá mais ser considerado com direito de dirigir suspenso.
Isso porque, há que se fazer uma distinção entre o cumprimento da penalidade de suspensão do direito de dirigir, o desbloqueio do RENACH e a devolução da CNH ao seu titular.
Quando aplicada a penalidade de suspensão do direito de dirigir, o DETRAN lança um bloqueio no RENACH (Registro Nacional de Condutores Habilitados), momento em que informa no sistema a data de início e fim da penalidade (art. 16 da Resolução CONTRAN nº 723/2018).
Esse bloqueio permanecerá no RENACH até que o infrator cumpra o prazo de suspensão e realize e seja aprovado no curso de reciclagem, é o que dispõe os §§3º e 4º do art. 16 e art. 18, ambos da Resolução CONTRAN nº 723/2018, vejamos:
Art. 16, § 3º Cumprido o prazo de suspensão do direito de dirigir, caso o condutor não realize ou seja reprovado no curso de reciclagem, deverá ser mantida a restrição no RENACH, que deverá ser impeditivo para devolução ou renovação do documento de habilitação, impressão de 2ª via do documento de habilitação físico ou emissão de Permissão Internacional para Dirigir – PID.
§ 4º Caso o condutor já tenha cumprido o prazo de suspensão do direito de dirigir e seja flagrado na condução de veículo automotor sem ter realizado o curso de reciclagem, e estiver portando o documento de habilitação físico, esta deverá ser recolhida e caso não esteja portando ou se trate de documento eletrônico, caberá a autuação do art. 232 do CTB, observado o disposto no § 4º do art. 270 do CTB.
Art. 18. O documento de habilitação físico, que tiver sido entregue, ficará acostado aos autos e será devolvido ao infrator depois de cumprido o prazo de suspensão do direito de dirigir e comprovada a realização e aprovação no curso de reciclagem, no caso de documento de habilitação eletrônico este deverá ser regularizado na forma estabelecida pelo Departamento Nacional de Trânsito.
No entanto, a permanência do bloqueio no RENACH não quer dizer que a suspensão do direito de dirigir do infrator se estenderá até a comprovação da realização e aprovação do curso de reciclagem. A restrição do RENACH terá como consequência “apenas” o impedimento para devolução ou renovação da CNH, impressão de 2ª via do documento de habilitação.
Assim, conclui-se que o término da penalidade de suspensão do direito de dirigir se dá com o cumprimento do prazo da penalidade. Porém, o desbloqueio no RENACH e a devolução da CNH ao infrator somente podem ser realizadas após a comprovação da realização e aprovação no curso de reciclagem.
Como consequência do raciocínio acima esposado, temos que: caso o condutor seja abordado em fiscalização de trânsito e esteja cumprindo prazo de suspensão do direito de dirigir, tendo ou não entregue a CHN ao DETRAN, deve ser autuado por conduzir veículo com direito de dirigir suspenso nos termos do art. 162, II do CTB, que o onerará com o pagamento de multa e o fará responder a um processo de cassação de CNH (art. 263, I do CTB).
Caso o condutor seja abordado em fiscalização de trânsito e já tenha cumprido o prazo de penalidade de suspensão do direito de dirigir, mas não tenha realizado o curso de reciclagem, embora esteja com a CNH bloqueada, não estará com direito de dirigir suspenso, e, portanto, não poderá ser autuado por conduzir veículo com direito de dirigir suspenso (art. 162, II do CTB). Neste caso, se o condutor não estiver portando a CNH, deve ser autuado por não estar portanto documento de posse obrigatória, com fulcro no art. 232 do CTB. Porém, se o condutor estiver portando a CNH, mesmo com bloqueio do RENACH e sem ter realizado o curso de reciclagem, o fato é atípico, não havendo previsão legal de infração para esse caso.
Vemos, portanto, uma omissão do legislador de trânsito, que ao não prever sanção para o condutor que portando a CNH, estiver com bloqueio no RENACH por não realizar o curso de reciclagem, abre um precedente perigoso, pois não inibe o infrator de cometer novas infrações de trânsito e ter seu direito de dirigir suspenso, uma vez que a sensação de impunidade nesses casos irá imperar.
Nesses casos, o infrator somente se verá obrigado a fazer o curso de reciclagem no momento em que precisar renovar sua CNH ou emitir 2ª via de sua habilitação.