Nas primeiras semanas do mês de dezembro de 2019 vivenciamos fortes chuvas na cidade de Vitória/ES, o que acarretou danos em imóveis locados. Então, surge a indagação, nos casos de danos no imóvel locado decorrente das chuvas ou eventos da natureza, de quem seria a responsabilidade em repará-los?
O proprietário (locador), de acordo com o artigo 22, I da Lei 8.245/91, é obrigado a entregar o imóvel em condições de servir ao uso que se destina, ou seja, em condições de habitabilidade. Já o locatário, ao final do contrato de locação, de acordo com o artigo 23, III da Lei 8.245/91, deve restituir o imóvel no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal.
Em regra, o estado do imóvel locado encontra-se minuciosamente descrito no laudo de vistoria elaborado quando da celebração do contrato de locação. Assim, o ideal é que o referido laudo seja elaborado por pessoa habilitada para tanto, uma vez que respaldará a verificação do estado do imóvel quando da rescisão do contrato de locação.
Deve-se mencionar que, no decorrer do contrato de locação, podem ocorrer alguns problemas de reparo e manutenção causados pelo desgaste natural e pelo próprio uso do imóvel, sendo estes de responsabilidade do locatário.
Cumpre transcrever interessante precedente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que concluiu pela responsabilidade do locatário na hipótese de infiltração no imóvel acarretada por falta de manutenção na caixa d’água:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAL E MATERIAL. LOCAÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL. INFILTRAÇÃO CAUSADA POR ROMPIMENTO DA BOIA DA CAIXA D’ÁGUA, TRÊS MESES APÓS A CELEBRAÇAO DO CONTRATO. VÍCIO OCULTO NÃO CONFIGURADO. REAL CASO FORTUITO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. COMPROVAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS LOCADORES DE INDENIZAR A LOCATÁRIA. INEXISTÊNCIA. CUSTEIO PARA REPARO DO IMÓVEL. OBRIGAÇÃO DE CONSERVAÇÃO DA LOCATÁRIA. VALOR. PECULIARIDADES. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. I- Se a caixa d’água estava funcionando normalmente quando da celebração do contrato de locação, o defeito na bomba, apresentado três meses após a contratação, não configura vício oculto, mas caso fortuito que afasta a responsabilidade civil da locadora de indenizar a locatária pelos danos decorrentes da infiltração causada no imóvel. II- Como a locatária tem obrigação contratual de conservar o imóvel locado, ela é responsável por indenizar a locadora o valor necessário à reforma do imóvel, cujas avarias foram ocasionadas por infiltração causada na vigência da locação. III- O valor do reembolso deve ser compatível com os orçamentos apresentados pela locadora, sendo vedado o bis in idem. IV- Recurso conhecido e provido em parte. (TJ-MG – AC: 10319150008377001 MG, Relator: Vicente de Oliveira Silva, Data de Julgamento: 05/12/2017, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/12/2017). Grifo nosso.
Ocorre que, em certos casos, os danos causados no imóvel decorrente de eventos inesperados da natureza não podem ser considerados como decorrente do desgaste natural de uso do imóvel, nesse caso teremos a ocorrência do que denominamos de “força maior”.
Os doutrinadores divergem acerca do conceito de força maior e caso fortuito. A Profª. Maria Helena Diniz afirma que força maior é o evento inevitável, como fato da natureza, e o caso fortuito é o imprevisível. Sílvio Rodrigues, por sua vez, lembra que pode haver sinonímia. O Prof. Pablo Stolze diz que força maior é o evento inevitável, como fatos da natureza, e o caso fortuito é o imprevisível (sequestro, relâmpago, p.ex.).
O Código Civil não traz a distinção entre caso fortuito e força maior. Trata-os de forma homogênea e o artigo 393 do Código Civil estabelece que, nesses casos, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes da força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Assim, de acordo com o artigo supramencionado, pode-se afirmar que se no contrato de locação há cláusula que determina que o locador/proprietário está isento de responsabilidades em casos fortuitos e de força maior, esta cláusula é válida e apenas visa informar o locatário de que o locador não é responsável por indeniza-lo neste tipo de ocorrência. Mas se o contrato é omisso quanto a este tema, o dever de reparar o dano causado será do locador com o escopo de manter a habitabilidade do imóvel.
Por fim, cumpre ressaltar que, quando da ocorrência do dano, cabe ao locatário notificar, imediatamente, o locador para que seja apurada a fonte do dano e, consequentemente, a imputação da responsabilidade ao locador ou locatário.